segunda-feira, 14 de julho de 2008

segunda-feira, 12 de março de 2007

Problema clássico de epistemologia


Havia antigamente, no norte da Índia, uma cidade cujos habitantes eram todos cegos desde o nascimento. Mas, apesar de não poderem conhecer o mundo iluminado pelo sol, os cegos de Ray Bhan (pois é... esse era o nome da cidade) queriam ter idéias claras de tudo o que existe no mundo. Por isso, a URB (Universidade de Ray Bhan) sempre mandava equipes de pesquisadores para estudos em todas as partes do planeta. Foi assim que começou a aventura de seis sábios de Ray Bhan enviados ao Ceilão. A missão deles incluía estudos sobre o chá, os búfalos, as areias de praias do Oceano Índico etc. Mas a tarefa mais emocionante que receberam foi a de descobrir o que era um elefante. E a pesquisa desses seis estudiosos de Ray Bhan sobre o famoso paquiderme virou história. Talvez você a conheça. Mas, eu quero recontá-la, pois ela nos diz muito sobre meios e modos do conhecer. É um clássico mundial de epistemologia.

Um guia de elefantes trouxe para estudo dos sábios seu bicho mais bonito, um animal de sessenta anos, grande, forte e saudável. A equipe de Ray Bhan usou seu preciso e fino tato para examinar o bicho. Os sábios analisaram profundamente aquele magnífico animal. Depois do exame, cada pesquisador procurou oferecer uma definição bem fundamentada de elefante.

— Dizia um: Que bicho esquisito! Nunca apalpei nada igual. Parece uma coluna coberta de pêlos!

— Você está variando? Coluna que nada! Elefante é um enorme abano, bom para espantar o calor! Dizia um outro cientista da URB.

— Qual abano, colega! Elefante é uma adaga ou uma espada. Uma arma poderosa, dizia o terceiro pesquisador. Seu tato anda falhando...

— Vocês estão todos enganados, caros colegas, dizia o quarto pesquisador. O bicho não é arma, não é espada, não é coluna. É apenas uma corda viva, não muito comprida.

Quanta ignorância, doutores! Como é que vocês não perceberam que o elefante é uma enorme e poderosa serpente capaz de derrubar até árvores? Essa era a linha de pesquisa do quinto investigador.

— Colegas! Espanta-me a ignorância de vocês. Apesar de muita prática de pesquisa, não perceberam que o elefante é uma enorme montanha que se move? Assim argumentava o sexto sábio.

E a discordância continuou durante os muitos dias de viagem na volta para Ray Bhan. Não houve acordo. Por isso, na enciclopédia da URB há seis definições de elefante. Uma conflitando com a outra. E até hoje os habitantes de Ray Bhan não têm uma idéia definitiva do que vem a ser bicho tão afamado.

Morais da história:

Aqui estão duas morais da história fornecidas por um dos narradores da famosa aventura dos pesquisadores cegos de Ray Bhan:

Quando algo é tido como verdade, o que é diferente parece mentira.

Se você for falar sobre um bicho para uma pessoa que nunca viu um, melhor fazer com que ela o veja primeiro.

Gostou? Agora é sua vez. Mande seu comentário na forma de duas outras morais para a história dos cegos e do elefante.

quarta-feira, 7 de março de 2007

A inutilidade dos conhecimentos úteis

É comum a convicção de que a educação deve estar voltada para conhecimentos que os alunos possam aplicar de modo imediato no mundo em que vivem. A maior parte dos educadores aceita essa crença sem qualquer crítica. Mas, contraditoriamente, os conhecimentos úteis são inúteis. Saberes para um aqui e agora são, cada vez mais, saberes descartáveis. Por exemplo, se um estudante aprende certas técnicas de programação de computadores numa perspectiva utilitarista, certamente estará desatualizado assim que receber seu diploma profissional. Conhecimentos úteis são saberes para quem aposta na estabilidade. O saber que vale a pena não é aquele determinado por aplicações imediatas, mas aquele que surge da admiração e inquietude dos agentes de conhecimento. É só olhar para a história: os conhecimentos mais úteis sempre foram aqueles surgidos de buscas desinteressadas.
Se aceitarmos a necessidade de educar agentes de conhecimento que se comprometam com o saber por causa de sonhos, inquietações, admiração, faremos uma educação muito mais útil que aquela preocupada com o domínio de técnicas e fazeres voltados para o imediato.

sábado, 24 de fevereiro de 2007

Mestre proseador


Este é um espaço para prosear. Por isso, quero homenagear um dos grandes proseadores que conheci: Paulo Freire. Na Foto (de Christen Larsen), nosso educador maior proseia com Steen Larsen, notável educador dinamarquês, e este escrevinhador.

Exercício de Epistemologia


Na História da Filosofia e em casos do dia-a-dia encontramos muitos exemplos de reflexões sobre o conhecimento. Quero aproveitar esse fato para propor um exercício livre sobre uma das reflexões que vou registrar nas próximas linhas. Espero que tal atividade seja, ao mesmo tempo, uma oportunidade de reflexão, um momento para exercitar certo senso de humor, uma mostra de como pensamos o problema do conhecimento.

O que fazer

A proposta é a de que vocês considerem as reflexões que seguem, escolham uma delas e produzam (na forma de comentário) uma comunicação criativa e reflexiva sobre a dita cuja.

Casos para refletir

· Caso 1: versos de Lupicínio Rodrigues

O pensamento parece uma coisa à toa
Mas como é que a gente voa quando começa a pensar

Lupicinio é um grande compositor brasileiro. Compôs muitos sucessos, sobretudo canções de “dor de cotovelo”. Os versos aqui citados são da canção Felicidade. A observação do compositor é interessante. No cotidiano não nos preocupamos com o pensar. Saber, ter conhecimento são coisas tão comuns como respirar. Acontecem. Mas, se a gente começa a pensar sobre o pensar surgem mistérios, admiração, encantamentos, dúvidas. E quando isso acontece, voamos, começamos a filosofar.

· Caso 2: pensamento de Pascal

O homem é um caniço pensante

Blaise Pascal foi um gênio que morreu jovem. Inventou uma máquina de calcular. Formulou os princípios de probabilidade em estatística. Escreveu um livro de filosofia com o título de Pensamentos. A frase aqui reproduzida aponta para um contraste. Os seres humanos são frágeis. Podem ser comparados com caniços, fracos pendões de capim que se curvam diante da brisa. Mas esse ser frágil pensa. E o pensar é uma fortaleza, um mistério, uma força imensa, um poder capaz de dominar o mundo. Contradição: essa criatura frágil produz algo que nenhum outro ser produz, conhecimento.

· Caso 3: verso de Paulinho da Viola

As coisas estão no mundo
Eu só preciso aprender

Acho que não preciso apresentar Paulinho da Viola. Grande compositor brasileiro, Paulinho é uma simpatia que produziu alguns dos maiores clássicos de nossa música popular. Nas horas vagas, o compositor é um aplicado marceneiro. Os versos aqui citados são da canção Coisas do Mundo. Paulinho propõe um caminho de conhecimento bastante sintonizado com a epistemologia. Não fala de um conhecimento pronto do qual possamos nos apropriar. Fala de um conhecer que se constrói na ida do sujeito para o objeto. A tese do Paulinho é mais informada que muitos livros de didática que falam em “aquisição de conhecimentos”. O poeta vê o saber como uma contínua volta ao objeto do conhecimento.

· Caso 4: afirmação do filósofo Protágoras

O homem é a medida de todas as coisas


Protágoras é um dos sofistas, sábios da antiga Grécia que, por um pagamento previamente contratado, educavam cidadão que pretendiam ingressar na vida pública, na política. Ensinavam oratória, argumentação, a verdade. Os sofistas levaram a filosofia para as ruas e quiseram fazer dela um assunto do cotidiano. Anthony Gottlieb em seu magnífico livro de história da filosofia, The Dream of Reason, assim comenta a famosa frase de Protágoras:

O que eu percebo é verdade para mim, e o que você percebe é verdade para você. Ele (Protágoras) afirmava que não há verdade a respeito do mundo da experiência cotidiana, mas isso não significa que não exista nenhuma verdade. Muito pelo contrário: há uma abundância de verdade. Pois o que cada pessoa percebe é verdade para ela. Esse modo de ver é conhecido como relativismo. (pg. 119)

· Caso 5: frase famosa de Descartes

Penso, logo existo.

René Descartes foi grande matemático (entrou em nossas vidas com equações, inequações e eixos cartesianos). E além de matemático, nosso amigo dos tempos da sétima e oitava série é reconhecido como o pensador que inicia a filosofia moderna (começo dos anos 1600). A frase de Descartes é pronunciada depois de um longo trecho de O Discurso do Método (principal obra filosófica do autor) apontando dúvidas quanto à capacidade humana de conhecer verdadeiramente as coisas que nos cercam. Ela parte do pensar como argumento para afirmar a existência. Há aqui um passo importante para valorizar a razão humana como fonte de todo o conhecimento. Essa afirmação da razão é uma das molas da ciência.