segunda-feira, 12 de março de 2007

Problema clássico de epistemologia


Havia antigamente, no norte da Índia, uma cidade cujos habitantes eram todos cegos desde o nascimento. Mas, apesar de não poderem conhecer o mundo iluminado pelo sol, os cegos de Ray Bhan (pois é... esse era o nome da cidade) queriam ter idéias claras de tudo o que existe no mundo. Por isso, a URB (Universidade de Ray Bhan) sempre mandava equipes de pesquisadores para estudos em todas as partes do planeta. Foi assim que começou a aventura de seis sábios de Ray Bhan enviados ao Ceilão. A missão deles incluía estudos sobre o chá, os búfalos, as areias de praias do Oceano Índico etc. Mas a tarefa mais emocionante que receberam foi a de descobrir o que era um elefante. E a pesquisa desses seis estudiosos de Ray Bhan sobre o famoso paquiderme virou história. Talvez você a conheça. Mas, eu quero recontá-la, pois ela nos diz muito sobre meios e modos do conhecer. É um clássico mundial de epistemologia.

Um guia de elefantes trouxe para estudo dos sábios seu bicho mais bonito, um animal de sessenta anos, grande, forte e saudável. A equipe de Ray Bhan usou seu preciso e fino tato para examinar o bicho. Os sábios analisaram profundamente aquele magnífico animal. Depois do exame, cada pesquisador procurou oferecer uma definição bem fundamentada de elefante.

— Dizia um: Que bicho esquisito! Nunca apalpei nada igual. Parece uma coluna coberta de pêlos!

— Você está variando? Coluna que nada! Elefante é um enorme abano, bom para espantar o calor! Dizia um outro cientista da URB.

— Qual abano, colega! Elefante é uma adaga ou uma espada. Uma arma poderosa, dizia o terceiro pesquisador. Seu tato anda falhando...

— Vocês estão todos enganados, caros colegas, dizia o quarto pesquisador. O bicho não é arma, não é espada, não é coluna. É apenas uma corda viva, não muito comprida.

Quanta ignorância, doutores! Como é que vocês não perceberam que o elefante é uma enorme e poderosa serpente capaz de derrubar até árvores? Essa era a linha de pesquisa do quinto investigador.

— Colegas! Espanta-me a ignorância de vocês. Apesar de muita prática de pesquisa, não perceberam que o elefante é uma enorme montanha que se move? Assim argumentava o sexto sábio.

E a discordância continuou durante os muitos dias de viagem na volta para Ray Bhan. Não houve acordo. Por isso, na enciclopédia da URB há seis definições de elefante. Uma conflitando com a outra. E até hoje os habitantes de Ray Bhan não têm uma idéia definitiva do que vem a ser bicho tão afamado.

Morais da história:

Aqui estão duas morais da história fornecidas por um dos narradores da famosa aventura dos pesquisadores cegos de Ray Bhan:

Quando algo é tido como verdade, o que é diferente parece mentira.

Se você for falar sobre um bicho para uma pessoa que nunca viu um, melhor fazer com que ela o veja primeiro.

Gostou? Agora é sua vez. Mande seu comentário na forma de duas outras morais para a história dos cegos e do elefante.

quarta-feira, 7 de março de 2007

A inutilidade dos conhecimentos úteis

É comum a convicção de que a educação deve estar voltada para conhecimentos que os alunos possam aplicar de modo imediato no mundo em que vivem. A maior parte dos educadores aceita essa crença sem qualquer crítica. Mas, contraditoriamente, os conhecimentos úteis são inúteis. Saberes para um aqui e agora são, cada vez mais, saberes descartáveis. Por exemplo, se um estudante aprende certas técnicas de programação de computadores numa perspectiva utilitarista, certamente estará desatualizado assim que receber seu diploma profissional. Conhecimentos úteis são saberes para quem aposta na estabilidade. O saber que vale a pena não é aquele determinado por aplicações imediatas, mas aquele que surge da admiração e inquietude dos agentes de conhecimento. É só olhar para a história: os conhecimentos mais úteis sempre foram aqueles surgidos de buscas desinteressadas.
Se aceitarmos a necessidade de educar agentes de conhecimento que se comprometam com o saber por causa de sonhos, inquietações, admiração, faremos uma educação muito mais útil que aquela preocupada com o domínio de técnicas e fazeres voltados para o imediato.